A Despedida

Imagina por momentos, o teu último pôr-do-Sol,
aquele que verás sabendo que o amanhã não chegará
e a partir desse instante, tudo te parecerá diferente...
A paisagem à tua volta ganhará mais vida do que nunca,
os pássaros parecerão estar em sintonia,
a terra será mais perfeita, o céu mais azul,
o vento sentir-se-á com outra intensidade,
e os primeiros recortes da Lua no céu,
parecer-te-ão diferentes de todos
os outros que alguma vez viste...

E o Sol, esse mesmo Sol,
será para ti o início e o fim de tudo.
Ao observá-lo, relembrarás cada dia passado debaixo da sua sombra,
cada fim de tarde sentado apenas a olhar para ele ou
cada nascer de um novo dia trazido pelo mesmo através da janela...

O que te rodeia, parecer-te-á efémero, à excepção desse Sol,
à luz que nele encontras e aos raios
que te atravessam neste momento.
A partir dos quais, queres esquecer
e ao mesmo tempo relembrar
tudo aquilo que um dia viveste,
para te poderes despedir de cada dia,
hora ou mesmo segundo, com o brilho nos olhos,
com que os conheceste pela primeira vez...

E todo a tua vida te parecerá grande,
demasiadamente extensa e profunda
para que possa ser esquecida com um único adeus
a que apenas esse Sol presenciará.
Desejarás, então, viver tudo de novo,
abrir os olhos como da primeira vez,
acordar no seio da mesma família.
Ter os mesmos ou talvez mais amigos ainda,
perder o medo e apaixonares-te vezes sem conta.
Comeres não apenas para viver,
rires com tudo o que não riste antes.
Chorar em todos os momentos em que
antes não o fizeste por falta de coragem.
Sonhar não apenas ao adormecer,
viver... não apenas por viver.

Após tudo teres revivido mais e melhor,
Poderás te despedir desta e de todas as outras tuas vidas,
sem que nada te pareça pouco, demasiadamente rápido ou vago
e a partir daí o Sol, para quem antes tinha apenas olhado,
parecer-te-á o astro ideal para o início do fim de tudo...
para o fim de toda uma vida.

Eva Mestre
15.02.03